Morte de Antônio Cícero e o Debate sobre Eutanásia no Brasil

A morte do poeta Antônio Cícero reacende debate.

Morte de Antônio Cícero e o Debate sobre Eutanásia no Brasil

Notícia publicada em 27/10/2024 11:47 - #sociedade_comportamento


A recente morte do poeta Antônio Cícero, de 79 anos, na Suíça, trouxe à tona um tema delicado e controverso: a eutanásia e o suicídio assistido. Cícero, que sofria de Alzheimer, deixou uma carta emocionada onde expressou seu desejo de morrer com dignidade, afirmando que sua vida se tornara insuportável. Suas palavras tocaram o coração de muitos brasileiros e reacenderam discussões sobre a dignidade no final da vida.

Antônio Cícero, membro da Academia Brasileira de Letras, é conhecido por seus versos profundos e reflexivos. Sua decisão de buscar a morte assistida na Suíça, onde essa prática é legal, levanta questões sobre o acesso a esse tipo de assistência no Brasil, onde a legislação atual proíbe tais práticas. A situação de Cícero é um exemplo de como a falta de opções pode levar pessoas a buscar soluções em outros países, algo que não é viável para todos, especialmente para aqueles que não têm recursos financeiros.

A Realidade de Outros Pacientes

A história de Cícero não é única. Muitas pessoas no Brasil enfrentam doenças graves e dores intensas, mas não têm a mesma possibilidade de buscar ajuda no exterior. Um exemplo é a estudante de veterinária Carolina Arruda, de 27 anos, que sofre de neuralgia do trigêmeo. Desde os 16 anos, Carolina vive com dores insuportáveis que a impedem de ter uma vida normal. Ela fez uma campanha para arrecadar dinheiro para realizar o suicídio assistido na Suíça, estimando que precisaria de mais de R$ 200 mil para isso.

Carolina expressa seu desejo de ver sua filha se formar, mas a dor constante a faz questionar se conseguirá realizar esse sonho. Ela relata que a decisão de buscar a morte assistida é extremamente difícil e que sua família, embora não aceite, entende sua situação. A burocracia e a falta de discussão sobre o tema no Brasil a fazem sentir que a solução está distante.

Barreiras Legais e Morais

Pesquisadores em bioética apontam que o debate sobre eutanásia e suicídio assistido no Brasil é dificultado por tabus morais e religiosos. O professor Volnei Garrafa, da Universidade de Brasília, destaca que a dignidade da morte é um privilégio de quem pode pagar por cuidados adequados. Ele critica a falta de avanço nas discussões sobre o tema, que é constantemente evitado no Legislativo brasileiro.

A diferença entre eutanásia e suicídio assistido é importante: na eutanásia, um médico realiza o ato que leva à morte, enquanto no suicídio assistido, o paciente é quem toma a decisão final. No Brasil, ambas as práticas são consideradas crimes, e não há previsão legal para sua regulamentação.

A Necessidade de Discussão

A professora Maria Júlia Kovács, do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo, acredita que a história de Antônio Cícero pode ajudar a reduzir os tabus em torno do tema. Ela defende que o Brasil precisa discutir a morte assistida e que os cuidados paliativos são uma alternativa que pode proporcionar uma morte digna. Além disso, as diretivas antecipadas de vontade, que permitem que uma pessoa expresse seus desejos sobre tratamentos no final da vida, são uma forma de garantir que a autonomia do paciente seja respeitada.

Comparações com Outros Países

Em outros países, como Holanda, Bélgica e Suíça, a eutanásia e o suicídio assistido são regulamentados e discutidos de forma mais aberta. A professora Kovács observa que a América do Norte também tem avançado nesse debate, enquanto na América Latina, países como Colômbia, Uruguai e Chile estão começando a discutir a questão. A regulamentação dessas práticas em outros lugares pode servir de exemplo para o Brasil, que ainda enfrenta um longo caminho até a aceitação e regulamentação do tema.

A Morte como Tabu

A morte, em si, é um tabu na sociedade brasileira. A maioria das pessoas morre em hospitais, e a experiência de lidar com a morte se tornou algo distante da vida cotidiana. A professora Aline Albuquerque, especialista em direito e bioética, ressalta que a formação dos profissionais de saúde não aborda adequadamente o tema da morte, o que pode levar a decisões inadequadas em situações de terminalidade.

A sociedade brasileira é plural e possui diferentes visões sobre a vida e a morte. A dificuldade do Estado em tomar uma posição clara sobre a eutanásia reflete essa complexidade moral. A discussão sobre a dignidade no final da vida é urgente e deve ser abordada de forma mais ampla, considerando as necessidades e direitos dos pacientes.

A morte digna é um direito que deve ser discutido e respeitado, e a história de Antônio Cícero pode ser um ponto de partida para que essa conversa finalmente aconteça no Brasil.


Wiki: Antonio Cícero (poeta)
Antonio Cícero é um poeta, ensaísta e filósofo brasileiro, nascido em 30 de abril de 1945, na cidade do Rio de Janeiro. Reconhecido por sua contribuição à literatura brasileira contemporânea, Cícero é um dos principais representantes da poesia moderna no Brasil, destacando-se por sua linguagem so... Ver wiki completa