Revolta dos Malês: 190 anos de resistência e luta
Revolta dos Malês completa 190 anos de história.
Notícia publicada em 24/01/2025 10:17 - #sociedade_comportamento
No dia 24 de janeiro de 1835, a cidade de Salvador, na Bahia, foi palco de um dos episódios mais significativos da luta contra a escravidão no Brasil: a Revolta dos Malês. Este levante, que envolveu trabalhadores africanos escravizados, é considerado a maior rebelião urbana de escravizados do país. Cerca de 600 africanos participaram da insurreição, que, se comparada à população atual de Salvador, equivaleria a aproximadamente 12 mil pessoas. O movimento durou mais de três horas e resultou em confrontos violentos entre os rebeldes e as forças coloniais, incluindo civis e soldados.
A Revolta dos Malês é lembrada até hoje em diversos contextos, como estudos acadêmicos, livros, filmes, blocos de carnaval e exposições de arte. O historiador João José dos Reis estima que mais de 70 africanos perderam a vida durante os conflitos, e cerca de 500 foram severamente punidos, enfrentando penas de morte, prisão, açoites ou deportações. Segundo ele, Salvador tinha, na época, uma população de aproximadamente 65,5 mil habitantes, dos quais 42% eram escravizados e 29,8% eram negros ou pardos livres.
O termo "malê" se refere aos africanos muçulmanos que foram trazidos ao Brasil e que desempenharam um papel central na organização da revolta. A insurreição, também conhecida como Grande Insurreição, faz parte de uma série de revoltas que ocorreram na Bahia entre 1807 e 1844, sendo a dos Malês a mais significativa, segundo o sociólogo Clóvis Moura.
Diferente de uma explosão de violência aleatória, a Revolta dos Malês foi cuidadosamente planejada. Os rebeldes se organizaram em clubes secretos e criaram um fundo para financiar suas atividades. Moura destaca que a revolta foi precedida por um período de aliciamento e preparação, onde os escravizados se reuniram em diversos pontos da cidade. O plano era que, após a eclosão da revolta em Salvador, os rebeldes se dirigissem para os engenhos, que eram o centro da escravidão na Bahia.
A revolta estava marcada para o dia 25 de janeiro, uma data que celebrava o fim do Ramadã, mês sagrado para os muçulmanos. No entanto, devido a uma delação, os rebeldes decidiram antecipar a ação. Vestidos com roupas tradicionais muçulmanas, eles lutaram nas ruas de Salvador, tentando libertar um escravo chamado Pacífico Licutã, que estava preso. Infelizmente, a revolta foi sufocada pelas forças legais, que contavam com armamentos superiores e posições estratégicas.
Entre os líderes da insurreição estavam Pacífico Licutã, Ahuna, e Belchior da Silva Cunha, um negro forro que ofereceu sua casa para as reuniões dos rebeldes. A maior liberdade que os escravizados urbanos tinham, trabalhando nas ruas, facilitou a organização da revolta. Muitos deles não moravam nas casas dos senhores, o que lhes permitia maior mobilidade e interação.
A Revolta dos Malês não é apenas um marco histórico, mas também uma fonte de inspiração na cultura contemporânea. Em 1979, o bloco afro Malê Debalê foi criado em Salvador para homenagear aqueles que lutaram contra a escravidão. O livro Um Defeito de Cor, de Ana Maria Gonçalves, publicado em 2006, narra a história de uma mulher sequestrada na África e trazida à Bahia, entrelaçando sua vida com os eventos da revolta. Além disso, o filme Malês, que estreou em 2024, também retrata essa insurreição.
Atualmente, a exposição Eco Malês, em cartaz na Casa das Histórias de Salvador até maio de 2025, reúne obras de artistas que refletem as influências contemporâneas da Revolta dos Malês. O curador da exposição, João Victor Guimarães, destaca a importância da colaboração entre diferentes grupos, como as irmandades cristãs e os terreiros de Candomblé, que foram fundamentais para o avanço da revolta.
A Revolta dos Malês é um lembrete poderoso da luta pela liberdade e da resistência dos africanos escravizados no Brasil. O legado desse levante continua a ser celebrado e estudado, mostrando a importância de reconhecer e valorizar a história da resistência negra no país.