A Cracolândia e a Dispersão dos Usuários de Drogas em São Paulo

A situação da Cracolândia, um dos pontos mais críticos de uso de drogas em São Paulo, tem gerado preocupações e debates sobre as políticas públicas adotadas pela prefeitura. Nos últimos meses, a repressão e a violência contra os usuários de drogas na região central da cidade têm levado a uma dispersão desses indivíduos para outras áreas, embora o uso de substâncias continue. Essa análise é feita por especialistas, como a antropóloga Amanda Amparo, da Universidade de São Paulo (USP).

Recentemente, a prefeitura de São Paulo anunciou que houve uma redução significativa no número de pessoas na Rua dos Protestantes, um dos principais locais da Cracolândia. De acordo com os dados divulgados, entre janeiro e dezembro de 2024, a média de pessoas na região caiu em 73,14%. A prefeitura também informou que, durante esse período, foram realizados 18.714 encaminhamentos para serviços e equipamentos municipais, com 679 pessoas alcançando autonomia financeira, 308 conquistando moradia e 261 restabelecendo vínculos familiares. Além disso, o Programa Operação Trabalho Redenção registrou 1.802 participantes.

Apesar desses números, Amanda Amparo alerta que a diminuição do fluxo de pessoas na Cracolândia não significa que a situação geral tenha melhorado. Segundo ela, a repressão e as violações de direitos humanos têm forçado os usuários a se dispersarem, mas muitos ainda retornam à região à noite. Ela descreve a situação como uma forma de "zoológico", onde as pessoas são tratadas como animais em cativeiro, enfrentando agressões e humilhações.

A antropóloga Roberta Costa, integrante do movimento Craco Resiste, também critica as ações da prefeitura, afirmando que a política pública atual é uma "tortura cotidiana" para aqueles que já enfrentam vulnerabilidades. Ela destaca que a população em situação de rua em São Paulo tem aumentado e que as condições de vida pioraram. Roberta argumenta que a abordagem violenta não ajuda as pessoas que já passaram por experiências traumáticas.

A prefeitura realiza diariamente duas ações de limpeza na Rua dos Protestantes, o que, segundo Roberta, representa uma forma de humilhação institucionalizada. Durante essas limpezas, os usuários são forçados a deixar o local e muitas vezes enfrentam violência por parte da Guarda Civil Metropolitana. Relatos de usuários indicam que esses momentos são marcados por abusos, como a apropriação de pertences e agressões físicas e psicológicas.

Amanda Amparo também observa que a dispersão dos usuários não é uma solução para o problema. Ela aponta que, embora as pessoas estejam se movendo para outras áreas, como a Avenida Duque de Caxias e a Rua Helvétia, isso não significa que a prefeitura tenha conseguido melhorar suas vidas. A nova dinâmica de circulação cria múltiplos pontos de concentração de uso problemático de drogas, dificultando o cuidado e a assistência a essas pessoas.

Roberta Costa enfatiza que a dispersão torna mais difícil estabelecer vínculos e oferecer suporte adequado aos usuários. A falta de um cuidado efetivo por parte do Poder Público, que não apenas falha em ajudar, mas também perpetua a violência, agrava a situação. Ela lamenta que, ao invés de promover a recuperação e a reintegração social, as ações de repressão apenas aumentam o sofrimento dos indivíduos em situação de vulnerabilidade.

A Agência Brasil tentou entrar em contato com a prefeitura de São Paulo para obter uma posição sobre as críticas, mas até o momento não recebeu resposta. O espaço permanece aberto para manifestações sobre o tema.

A situação da Cracolândia e as políticas públicas adotadas para lidar com o uso de drogas na cidade de São Paulo continuam a ser um tema de debate intenso, com especialistas e defensores dos direitos humanos pedindo uma abordagem mais humana e eficaz para lidar com a questão da dependência química e a vulnerabilidade social.