Doação do cérebro de Maguila pode ajudar na pesquisa de doenças neurológicas
Estudo sobre Encefalopatia Traumática Crônica avança.
Notícia publicada em 25/10/2024 18:32 - #saude
A Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP) anunciou que recebeu o cérebro do ex-pugilista José Adilson Rodrigues dos Santos, conhecido como Maguila, para estudos sobre a Encefalopatia Traumática Crônica (ETC). Maguila, que foi um campeão mundial dos pesos pesados, faleceu na última quinta-feira (24) aos 66 anos, após conviver com a doença por 18 anos. A ETC é uma condição degenerativa que afeta as células do cérebro devido a impactos repetidos na cabeça, algo comum em atletas de esportes de contato.
A viúva de Maguila, Irani Pinheiro, revelou em uma coletiva de imprensa que a decisão de doar o cérebro foi tomada em vida pelo ex-atleta. Ela explicou que a doação foi formalizada no dia anterior à sua morte. O corpo de Maguila foi velado na Assembleia Legislativa de São Paulo, onde Irani compartilhou a importância dessa doação para a pesquisa científica.
O cérebro de Maguila é o terceiro de um atleta que o Biobanco para Estudos em Envelhecimento da FMUSP tem acesso. Anteriormente, a instituição já havia recebido os cérebros de outros dois campeões mundiais: o ex-pugilista Éder Jofre e o ex-jogador de futebol Bellini, que foi capitão da seleção brasileira na Copa do Mundo de 1958. Ambos também foram diagnosticados com a Encefalopatia Traumática Crônica.
A médica neurologista Maria Elisabeth Ferraz, que coordena o Departamento Científico de Traumatismo Cranioencefálico da Academia Brasileira de Neurologia (ABN), destacou a importância da doação do tecido cerebral desses atletas para a pesquisa. Ela explicou que, embora haja suspeitas clínicas sobre a doença, o diagnóstico definitivo só pode ser feito através de análises anatômicas. A pesquisa sobre a ETC é crucial, pois pode levar a descobertas que beneficiem não apenas os atletas, mas toda a sociedade.
Maria Elisabeth enfatizou que a prevenção é a principal meta dos estudos. A identificação precoce da doença pode ajudar a evitar que os indivíduos continuem a sofrer impactos cranianos. A médica mencionou a necessidade de desenvolver biomarcadores e exames que possam facilitar diagnósticos mais rápidos e precisos, contribuindo assim para a prevenção de doenças neurológicas.
A Encefalopatia Traumática Crônica foi identificada pela primeira vez em 2002 pelo neuropatologista Bennet Omalu, que diagnosticou a condição em um ex-jogador de futebol americano chamado Mike Webster, que faleceu aos 50 anos. O estudo de Omalu gerou grande repercussão e resistência por parte da liga de futebol americano (NFL), que se sentiu ameaçada pelas implicações do diagnóstico. Após anos de pesquisa e pressão, a NFL finalmente implementou protocolos de concussão e investiu em tecnologias para aumentar a segurança dos jogadores.
A Encefalopatia Traumática Crônica pode levar a uma série de problemas, incluindo alterações de comportamento, dificuldades cognitivas, problemas de memória e de equilíbrio. Esses sintomas podem se manifestar anos após a aposentadoria do atleta, resultado de múltiplos impactos ao longo de suas carreiras. A médica ressaltou que não é necessário perder a consciência para sofrer uma lesão cerebral; impactos repetidos, mesmo sem desmaios, podem causar danos significativos ao cérebro.
Além do contexto esportivo, Maria Elisabeth também alertou para a questão da violência doméstica, que pode resultar em impactos repetidos na cabeça. Segundo um boletim divulgado em março de 2023, pelo menos oito mulheres foram vítimas de violência doméstica a cada 24 horas em diversos estados do Brasil. A médica destacou que essas mulheres, assim como crianças que sofrem abusos, podem desenvolver problemas neurológicos semelhantes devido aos impactos constantes em suas cabeças.
A doação do cérebro de Maguila representa um passo importante na luta contra a Encefalopatia Traumática Crônica e outras doenças neurológicas. A pesquisa que se seguirá pode trazer novas esperanças para a prevenção e tratamento dessas condições, beneficiando não apenas atletas, mas toda a população que pode ser afetada por traumas cranianos ao longo da vida.